Guerrilha (do espanhol guerrilla, “pequena guerra”) é um tipo de guerra não convencional no qual o principal estratagema é a ocultação e extrema mobilidade dos combatentes, chamados de guerrilheiros.
Pode se constituir também como uma movimentação híbrida, ou seja, ora centralizada por uma atitude bélica cujo aspecto pode ser colaboracionista com as forças regulares de determinadas regiões, e ora pode se dar o enfrentamento sem conexão com qualquer força armada regular.
Índice
- 1 Origem
- 2 A Guerra de Guerrilha
- 3 Estratégia
- 4 Plano Material
- 5 Plano Psicológico
- 6 Contra-Guerrilha
- 7 Vietnã
- 8 Resistência e guerra revolucionária
- 9 Guerrilheirismo
- 10 Contato com a população civil
- 11 América Latina
- 12 Brasil
- 13 Fonte
- 14 Literatura recomendada
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Origem
Presume-se que tenha sido utilizada a palavra guerrilha (guerrilla) pela primeira vez na Guerra Peninsular contra a invasão napoleônica a Portugal e Espanha, entre 1808 e 1812, embora as técnicas guerrilheiras remontem da antigüidade. Portanto, o termo passou a ser utilizado a partir da sua origem ibérica, tendo sua grafia original preservada em muitos idiomas.
A guerra de guerrilhas também recebeu outras denominações. Na América Latina, por exemplo, foi chamada de montonera no Rio da Prata e bola no México, entre outras nomencalturas que não prevaleceram.
A Guerra de Guerrilha
Trata-se de levar um adversário, por muito mais forte que seja, a admitir condições freqüentemente muito duras, não engajando contra ele senão meios extremamente limitados. É então que entra em jogo, em toda a sua plenitude, a fórmula das variáveis complementares que já encontramos: a inferioridade das forças militares deve ser compensada por uma superioridade crescente das forças morais, à medida que a ação se prolonga. Assim, a operação desenvolve-se simultaneamente em dois planos, o plano material, das forças militares, e o plano moral, da ação psicológica.
Estratégia
Se a margem de liberdade de ação é grande, mas os meios disponíveis excessivamente fracos para obter uma decisão militar, pode-se recorrer a uma estratégia de conflito de longa duração, visando a promover a usura moral, a lassidão do adversário. Para poder durar, os meios empregados serão muito rústicos, mas a técnica de emprego (geralmente uma guerra total apoiada sobre uma guerrilha generalizada) obrigará o adversário a um esforço bem mais considerável do que ele poderá suportar indefinidamente. Este modelo de luta total prolongada de fraca intensidade militar foi geralmente empregado com sucesso nas guerras de descolonização. Seu teórico principal é Mao-Tse-Tung. Observemos que Está estratégia, que exige considerável esforço moral de parte de quem toma s iniciativa, pressupõe forte elemento passional e muito boa coesão da alma nacional. Assim, ela corresponde o mais completamente possível às guerras de liberação. Mas ela somente tem chances de sucesso se o que está em jogo entre as partes é bem desigual (caso das guerras de descolonização), ou bem ela se beneficia de intervenções armadas (caso das guerras de liberação, na Europa, entre 1944-45, e na Espanha, em 1813-14) às quais elas servem de reforço.
Plano Material
Em situação de grande inferioridade de meios, não se pode esperar sobreviver senão recusando combater, e empregando uma tática de fustigamento para manter vivo o conflito. Isto conduz à guerrilha, velha como o mundo e, no entanto, esquecida e depois reaprendida, a cada geração. Mas esta tática há quarenta anos é objeto de codificações estratégicas muito importantes, as quais permitem conduzir tal gênero de operações segundo conceitos racionais que lhe aumentam consideravelmente a eficácia e, conseqüentemente, permitem reduzir bastante o desequilíbrio de forças materiais. Mao-Tse-Tung definiu em sete regras a essência da guerrilha: íntimo acordo entre a população e os guerrilheiros, retraimento ante um avanço inimigo em força, fustigamento e ataque ante um retraimento inimigo, estratégia de um contra cinco, tática de cinco contra um, particularmente graças ao que se chama o “retraimento centrípeto“, isto é, a concentração de forças durante o retraimento (ele dispunha de muito espaço na China); enfim, logística e armamento graças ao que é tomado do inimigo.
Estas sete regras constituem o mínimo necessário para tal forma de guerra, mínimo, no entanto, às vezes desconhecido, como, por exemplo, quando a OAS pretendeu estabelecer um “reduto” na Argélia, ou quando os americanos aceitaram a idéia de um desembarque em Cuba, sob a forma de “cabeça de ponte” clássica.
Mais além desse mínimo, duas noções capitais foram formuladas, para garantir a liberdade de ação da guerrilha A primeira, de origem soviética, mas já aplicada pêlos irlandeses, visa a impedir a repressão, dissuadindo a população de informar o inimigo, mediante a prática de terrorismo sistemático. A segunda, luminosamente explicada por Lawrence, a propósito de Medina, tem por princípio estender em superfície, ao máximo, a ameaça da guerrilha, sem, no entanto, incitar o inimigo a retrair-se, de forma a criar para ele um problema de proteção cada vez mais difícil. A aplicação deste última noção tem como efeito levar o adversário a despender mais e mais forças para a guarda de um número crescente de pontos, o que, em larga medida, é capaz de modificar o equilíbrio prático das forças em presença. É assim que, na Argélia, mais de 300.000 homens eram mantidos na incerteza por menos de 30.000.
Enfim, as forças de guerrilha, cujo desgaste é terrível, devem ser mantidas e constantemente desenvolvidas para que a pressão seja crescente. Isto exige um sistema inicial de contrabando de armas (ou de lançamento por pára-quedas, como na França, em 1944), seguido, desde que possível, do estabelecimento de bases próximas do território atacado, cuja inviolabilidade será assegurada pêlos meios de dissuasão da manobra exterior. Tal foi o papel das bases da China para a guerra da Indochina, das do Egito, inicialmente, e, depois das da Tunísia e do Marrocos, para a Guerra da Argélia, das do Congo, ex-belga, para a Angola portuguesa etc. Certos autores viram na organização dessas bases o elemento decisivo de tal gênero de guerra. Se ele não é decisivo em si mesmo, certamente é muito importante, pois pode-se notar que as guerrilhas que fracassaram no Quênia e na Malásia são justamente as que se encontravam isoladas. Este último ponto confere à manobra exterior capital valor operacional, que se agrega ao que já se disse de seu papel-chave no domínio da liberdade de ação global.
Plano Psicológico
No plano psicológico, a idéia geral é, ainda, saber durar. Para isto, é indispensável que as forças morais dos combatentes e da população sejam desenvolvidas e mantidas em nível elevado. A alavanca moral é, por conseguinte, capital. Simetricamente, é preciso levar o adversário a ceder por lassidão. Ainda aqui, a ação psicoló¬gica será essencial para explorar nesse sentido os resultados obtidos. Esta ação psicológica complexa, pois que deve dirigir-se simultaneamente aos combatentes e à população amiga e inimiga, repousa sobre dois elementos principais, a “linha política” de base e a escolha da tática psicológica.
A linha política de base, que deve estar em harmonia com a linha política necessária à manobra exterior, deve ser tal que possa mobilizar, em vista da luta, as paixões latentes do povo que se quer emocionar. Por outro lado, estas paixões (patrióticas, religiosas, sociais etc) devem ser apresentadas segundo uma orientação que demonstre a justiça da causa que se quer apoiar. Do mesmo modo, o sucesso da operação deve parecer certo, não como em 1940, “porque nós somos os mais fortes” – o que, nesse gênero de guerra, no início jamais é verdadeiro – mas porque “Deus (ou obscuras forcas históricas) está conosco”. O determinismo histórico, predestinando a História no sentido desejado, vem assim substituir as imagens santas ou as aparições que galvanizavam os cruzados.
Ele cria uma espécie de fatalismo otimista e, simetricamente, uni fatalismo pessimista no inimigo, que se aparentam com o fatalismo dos muçulmanos, sucessivamente conquistadores e subjugados. Este último ponto: é particularmente importante, porque foi medido mal o papel que representou na rápida conquista do mundo pela raça branca o sentimento dos povos submetidos de que éramos trazidos pelo destino, e de que não podíam deixar de ser os senhores de seu futuro. Os revezes sofridos pelo Ocidente na primeira parte da II Guerra Mundial desmentiram tal previsão: perderam a face, e as mesmas forças que operaram em favor dele passaram a atuar contra ele. As táticas psicológicas comportam, evidentemente, o emprego de técnicas hoje bem conhecidas, de propaganda, doutrinação e organização da população, através de um enquadramento cerrado e cuidadosamente vigiado. Porém, nesse gênero de guerra é, sobretudo, indispensável compreender que os únicos êxitos são de ordem psicológica, e que, portanto, todas as ações materiais somente têm interesse pelo seu valor para levantar o moral ou o prestígio dos combatentes, ou da população. Por conseguinte, a guerrilha deverá, mais freqüentemente, ser conduzida nesse sentido. Por outro lado, se faltam os êxitos, ou se eles são mínimos, o blefe – e mesmo a mentira total – poderão suplementá-los. (Cf. “a heróica” defesa de Port. Said, a destruição do “Suffren” pêlos norte-vietnamitas, do “Jean Bart” pêlos egípcios, o desembarque do Exército egípcio na Kabilia etc). No mesmo sentido, um prurido de notícias sensacionais, como é hábito da imprensa ocidental, permite ao adversário multiplicar o efeito psicológico de ações modestas e repetidas. Pode-se notar aqui que, se a linha política deve apresentar séria unidade, a propaganda pode ser muito diferente no plano exterior e no plano interior.
Se a guerrilha não é sufocada desde o início, existem as maiores probabilidades de um desfecho vitorioso. Na melhor das hipóteses, conseguir-se-á a renúncia à luta pelo adversário (Tunísia, Marrocos, Argélia). Se a manobra exterior não consegue impedir a intervenção de outras potências, chegar-se-á a uma solução de compromisso, sob a forma de uma partição (Israel, Indochina). Se a manobra exterior não consegue alimentar suficientemente a ação interior e se o adversário se agarra, então chega-se ao fracasso (Quênia, Malásia). Porém, os germes semeados durante a luta, mais tarde se desenvolverão e, no mínimo, ter-se-á imposto ao adversário um esforço considerável ao preço de meios irrisórios.
Contra-Guerrilha
Em uma agressão do tipo guerra de guerrilha, pode-se hesitar entre diversas soluções. A melhor, se ela for possível, consistiria em salvaguardar o essencial (isto é, o controle governamental), sem engajar grandes meios, e em resolver o conflito.
A linha política, será a de reduzir os trunfos do adversário. Por conseguinte, será necessário, por um lado, manter e desenvolver o prestígio, mediante uma demonstração de força, sem dúvida, como também persuadindo de nossas possibilidades futuras (civilização em progresso, apoio internacional etc); e, por outro lado, desarmar reivindicações através de reformas profundas.
No plano militar, é indispensável frustrar a estratégia da guerrilha, tal como foi descrita mais acima; é preciso, antes de mais nada, evitar-se deixar desbordar pela manobra de superfície, praticando estrita economia de forças, colocando em xeque a “manobra de Medina”(durante a Guerra de 1914/18, as forças árabes, sob a liderança de Lawrence da Arábia, mantiveram sob ataque a ferrovia Damasco-Medina, cortando as ligações do Exército turco com Damasco e fixando-o em Medina). Isto levará a limitar a proteção generalizada de pessoas e de bens, graças a uma forte densidade de ocupação em zonas reduzidas e bem escolhidas, em função de sua importância política e econômica; e em consentir certo grau de insegurança no resto do país. Os postos que aí serão deixados terão por finalidade, somente, manter um sistema de informações, graças ao qual se poderá desencadear uma série de operações destinadas a impedir a organização de bases adversas. Em certos casos mesmo, poder-se-á dei¬xar o inimigo aí se instalar à vontade, para destruí-lo mais facilmente. Correlativamente, as fronteiras deverão ser hermeticamente fechadas, graças a uma tática de barragens, das quais as guerras da Líbia (da Itália fascista) e da Argélia deram o exemplo. Mesmo bem conduzidas, essas operações requererão meios muito importantes. É sua grande fraqueza, para uma guerra necessariamente prolongada. A estratégia deverá, então, esforçar-se por encontrar soluções económicas, enquanto que a organização deverá aplicar fórmulas (substituições etc) concebidas para o tempo de duração da guerra. Em circunstâncias, excepcionalmente favoráveis poder-se-á tentar obter a decisão por um considerável esforço de meios, sob a condição de que os resultados sejam rapidamente compensadores. Se não fosse assim (Argélia, 1956), não se faria senão reduzir a sua própria capacidade de durar; por conseguinte, fazendo o jogo da guerra de guerrilha.
Enfim, é bem certo que as operações deverão ser conduzidas com a constante preocupação de obter um efeito psicológico sobre o inimigo e sobre a população. Sendo esta completamente protegida nas zonas de forte densidade de ocupação, dever-se-á poder com¬parar sua sorte invejável com a das populações vivendo em zonas mais ou menos controladas pelo adversário. As partes protegidas, tornadas zonas de refúgio, não deverão, sob pretexto algum, ser reduzidas(isto obriga a prever, a longo prazo, uma política de efetivos que não comportem variações), de modo a dar confiança; e, se elas se estenderem, não deverá jamais haver recuos. Os combates devem ser úteis para o prestígio. Os fracassos devem ser ocultados ou compensados por êxitos mais importantes, convenientemente realçados.
Malgrado todas estas precauções, cuja enumeração sublinha um bom número de erros levantados na campanha da Argélia, em particular, é necessário ter presente no espírito que esse gênero de luta só excepcionalmente foi favorável à defesa e, como foí sublinhado, somente quando não existiam bases exteriores próximas que pudessem alimentara guerrilha. Em estratégia de contra-guerrilha, responder a um ataque por uma defesa direta é solução tão má como a do um touro investindo contra uma muleta vermelha. É contra o toureiro que é preciso investir, isto é, contra a guerra de guerrilha.
Vietnã
A Guerra do Vietnã é um exemplo típico no qual o exército regular estadunidense sem conhecer o terreno por não ser nativo da região, acabou vencido pela guerrilha vietnamita, embora aquele conflito tenha outros fatores e características bem próprios.
Resistência e guerra revolucionária
A guerrilha não é necessariamente um tipo de guerra de resistência onde os insurgentes se opõem à uma força de ocupação, como no Iraque ocupado pelos estadunidenses ou como na União Soviética invadida pelos nazistas. Ela é também comum em guerras revolucionárias (com fator político-ideológico) que podem ocorrer entre partidos ou facções de um mesmo povo. (v.g. El Salvador, Guerrilha do Araguaia, Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia etc.)
As guerras de guerrilhas, quase em sua totalidade, buscaram a independência de determinada região ou grupos. Utilizam armamentos leve e de fácil deslocamento. Atualmente se mantêm com recusros financeiros advindos de operações ligadas ao tráfico de armas e drogas.
Guerrilheirismo
Os guerrilheiros, em geral, são elementos voluntários da própria região de conflito. Inicialmente possuem pouco treinamento militar e vão se organizando e treinando empiricamente.
Existem também grupos guerrilheiros treinados na arte da guerra por mestres militares que estudam esta técnica e desenvolvem metodologias de ataque, defesa e sobrevivência. A estes grupos pode-se conceituar como uma elite combatente, cuja tendência de atuação é a independência e autonomia.
Pelo fato de ser uma força irregular de origem voluntária, a guerrilha age com espontaneidade não só em relação a grupos políticos mas também relativamente a centros militares.
Contato com a população civil
Em geral, os grupos guerrilheiros tendem a apoiar soluções progressistas, pois, sendo oriundos de grupos locais, mantém contatos estreitos com a população da região onde atuam, ao contrário das Forças Armadas regulares. Porém, é muito comum a estes grupos aceitarem a liderança de “caciques“ ou “caudilhos“.
Foi justamente por esta ligação estreita que o chamado “guerrilheirismo latino-americano” proliferou na América Latina enfrentando o poder chamado de “Forças Realistas Coloniais Espanholas“.
América Latina
A queda das colônias espanholas entre 1810 e 1824 foi decidida pelas guerras de guerrilhas. Muitos grupos foram chefiados por diversos líderes que carregaram consigo a responsabilidade da vitória ou do fracasso dos movimentos de libertação. Houve também guerrilhas de Estado, isto é, aquelas financiadas e incentivadas por grupos que detinham o poder em determinada região, mas que tinham por finalidade a desestabilização dos movimentos de libertação.
Entre diversos movimentos de guerrilhas e seus líderes que ocorreram na América Latina, podem ser destacados:
Brasil
No Brasil, houve muitos movimentos guerrilheiros nas províncias contra o centralismo executado pelo Império.
- Pode ser citada também a década de 30, a Coluna Prestes, oriunda do tenentismo, que foi um movimento guerrilheiro executado pela Aliança Nacional Libertadora.
- O ex-dirigente do Partido Comunista, Carlos Marighella, morto em 4 de novembro de 1969, criou e comandou a guerrilha urbana nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro por dois anos.
- Carlos Lamarca, morto em Ipupiara, localidade do interior da Bahia, em 17 de setembro de 1971, comandou no vale da Ribeira, em meados de abril de 1964, em São Paulo um movimento guerrilheiro.
- Em 1972, o Exército Brasileiro enfrentou com mais de 5.000 homens a guerrilha do Araguaia, organizada pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
Fonte
André Beaufre – Introdução a Estratégia
Literatura recomendada
- Chevalier, F.; Caudillos et caciques en Amérique. Contribution à l’étude des liens personnels. Bordeaux, 1962.
- Guevara, Guerra de guerrillas; La Habana: Dep. de Instrucción del MINFAR, 1960.
- R. Debray; ¿Revolución en la revolución? La Habana: Casa de las Américas, 1966.
- R. Gott, La guerrilla en América Latina; Santiago de Chile: Universitaria, 1971.
- Minimanual de la guerrilla urbana; La Habana, 1967.
- Il Risorgimento; Einaudi, Torino, 1950.
- Hanlweg, W.; Storia della guerriglia. Milano, Feltrineli, 1973.
- Rama, C. M.; La nouvelle gauche latino-américaine. In: Raison présente. Paris, 1970.